
Vôos que demoram mais cinco horas e aviões russos que viajam pela Europa sem entrar na UE, estas são as consequências de uma guerra que acontece tanto nos céus como na terra.
Guerra na Ucránia
A Ucránia proibiu todos os vôos civis após o começo dos ataques russos no seu território. Vários países reagiram fechando o seu espaço aéreo à Rússia que retaliou fazendo o mesmo. O panorama aéreo mudou, mas como tem a indústria da aviação respondido às consequências da guerra?
Quando no passado dia 24 de Fevereiro a Rússia avançou sobre o território ucraniano, o mundo preparou-se para retaliar. A Ucránia viu-se forçada, por questões de segurança, a fechar o seu espaço aéreo a vôos civis, nomeadamente pelo risco de recurso a armas ou outros equipamentos militares.
Em apoio ao povo ucraniano, a União Europeia (UE) impôs uma proibição geral à entrada de aviões “de propriedade russa, registrados ou controlados pela Rússia” no seu espaço aéreo, de acordo o anúncio de 27 de Fevereiro da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. A Rússia respondeu na mesma moeda e, no dia a seguir, a Agência Estatal de Aviação russa anunciou que os aviões de pelo menos 36 nações, incluindo países europeus e o Canadá, que tomou as mesmas medidas, estavam proibidos de entrar no seu espaço aéreo sem uma permissão especial.
Dias mais tarde, também os EUA impediram qualquer avião russo de entrar no seu espaço aéreo, seguindo o movimento crescente de sanções contra a Rússia. O panorama aéreo foi, posto isto, significativamente afectado. Todos os vôos a partir da Rússia com destino a qualquer cidade da União Europeia e da América do Norte, ou vice-versa, viram-se cancelados e qualquer rota russa que sobrevoasse sobre a região da UE e América do Norte, ou vice-versa, foi também ou cancelada ou alvo de uma reformulação.
Os céus da Europa tornaram-se, desta forma, para a Rússia, um campo de minas impossíveis de evitar. Ou será?
A excepção à regra
De facto, e de acordo com as sanções que foram dirigidas à indústria de aviação russa, qualquer vôo russo cuja rota implique sobrevoar as regiões da UE e América do Norte deixou de ser possível . Mas toda a regra tem uma excepção.
De acordo com a aplicação flightrader24, que segue em tempo real os vôos internacionais, continuam a circular entre Kaliningrado e Moscovo aviões russos. Embora Kaliningrado se trate de território russo, esta cidade faz parte da subdivisão mais ocidental da Rússia, que se encontra inteiramente separada do restante país. Situado entre a Polónia e a Lituânia, dois países da UE cujo espaço aéreo está fechado à indústria de aviação russa, Kaliningrado está quase totalmente rodeado de terra com excepção da sua fronteira oeste, banhada pelo Mar Báltico.
As viagens entre a Rússia e esta região seriam praticamente impossíveis se não fosse o estreito corredor de águas internacionais que permitem que os aviões russos viajem entre os dois locais. Sem esse corredor, as viagens entre Kaliningrado e a Rússia implicariam passar por espaço aéreo da UE, o que, neste momento, não é possível. Assim, e apesar das proibições que se impõem, a indústria aérea russa foi capaz de, através de meios legais, viajar por território europeu e, concretamente, entre países da UE, sem entrar, de facto, nos seus espaços aéreos.

As alterações feitas à rota do vôo que seguia antes diretamente para Moscovo, voando sobre países como a Lituânia, membro da UE, implicou acrescentar uma hora à viagem que, se antes demorava aproximadamente duas horas, passou a demorar três, seguindo pelo corredor de águas internacionais (a azul escuro) até entrar em território russo, altura em que muda de direção e segue para Moscovo.
Na aplicação Flightradar24, os vôos entre Kaliningrado e Moscovo foram dos mais pesquisados desde o início do conflito, altura na qual, o sistema de rastreamento de vôos passou de três milhões de utilizadores diários para um milhão por hora.
Outros dos vôos mais seguidos são o Aeroflot SU124, de Moscovo para Nova Iorque, que se viu obrigado a, chegado à Gronelândia, regressar para a Rússia depois do governo canadiano banir aviões russos do seu espaço aéreo e o Aeroflot SU111, de Miami para Moscovo, que sobrevoou o Canadá apesar de ser proibido. Na conta oficial do Twitter, a Transport Canada, a entidade responsável por todas as políticas e programas de transporte no Canadá, escreveu “Vamos lançar uma revisão da conduta da Aeroflot e do provedor independente de serviços de navegação aérea, NAVCAN, e perceber esta violação. Não hesitaremos em tomar as medidas de fiscalização apropriadas e outras medidas para evitar futuras violações”.
Um conjunto vasto de consequências
As consequências de uma alteração repentina do cenário aéreo mundial não ficam, no entanto, por aqui. Além de vôos cancelados, existem outras questões que precisam de ser respondidas: o que acontece aos vôos que não aterram em território russo, mas cuja rota implica passar pelo seu espaço aéreo? Quebrar as proibições anunciadas poderia trazer repercussões graves.
De facto, além de afectar os vôos entre a Rússia, a UE e a América do Norte, as sanções dirigidas à indústria aérea russa terão um conjunto muito mais vasto de consequências. Segundo o testemunho da Eurocontrol, uma coordenadora de tráfego aéreo da Europa, à Euronews, “normalmente, há cerca de 90 vôos diários de companhias aéreas da UE que sobrevoam a Rússia”, pelo que são vários os vôos afetados pelo novo panorama aéreo.
Um exemplo do impacto da guerra na indústria aérea seriam os vôos entre o Reino Unido e a Índia, nomeadamente os de companhias como o British Airways ou Virgin Atlantic, cujas viagens podem contar com um acréscimo de uma hora extra. Companhias de outros países como a Finnair, da Finlâdia, que se auto intitulou, em resposta à Euronews, de “o atalho entre a Europa e a Ásia”, viram novos obstáculos surgirem ao seu normal funcionamento.

A antes estratégica localização da Finlândia, considerada pela Finnair uma mais-valia nas suas rotas asiáticas, deixou de o ser depois de o território russo se tornar uma zona proibida. Os serviços para o Japão, Coreia e China foram cancelados enquanto a companhia aérea avalia possíveis rotas alternativas e, embora alguns aviões mantenham as suas viagens para Bangkok, Singapura, Phuket e Deli, a duração da rota conta com uma hora extra.
Numa publicação no Twitter, o director geral da Eurocontrol, Eamonn Brennan, alertou para o “grande impacto” da resposta russa às sanções da UE, chamando a atenção para vôos entre Helsínquia e Tóquio que podem contar com 5 horas extra de viagem. Numa imagem partilhada pelo director é possível verificar também um aumento de cerca quatro horas numa viagem de Helsínquia a Pequim, duas horas e meia numa viagem entre Paris e Tóquio, duas horas entre Frankfurt e Tóquio, quase duas horas entre Amsterdão e Pequim e uma hora e meia entre Frankfurt e Pequim.
O aumento das rotas traduzir-se-ia em “impactos financeiros significativos”, explica a companhia aérea Finnair. Uma hora extra de tempo de vôo e o combustível necessário para a mesma, implicariam um aumento de preços entre 8 mil euros a 15 mil euros por viagem, estima John Gradek, especialista em aviação e professor da Universidade McGill do Canadá, em resposta à Euronews, o que levaria a um aumento de 100 euros por pessoa.
Inicialmente as companhias podem tentar absorver os custos acrescidos, antes de aumentar os preços do consumidor, mas é uma “grande incógnita” por quanto tempo o conseguirão fazer.
Também as consequências para o meio ambiente devem ser tidas em conta e o aumento consecutivo na duração dos vôos pode resultar numa subida significativa das emissões de CO2.